08 março 2006

O direito ao palavrão

de: ‹Autor Desconhecido›
atribuído a: ‹Millôr Fernandes›

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua.

‘Pra caralho’, por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que ‘Pra caralho’? ‘Pra caralho’ tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do ‘Pra caralho’, mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso ‘Nem fodendo!’. O ‘Não, não e não!’ e o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade ‘Não, absolutamente não!’ de modo algum o substituem. O ‘Nem fodendo’ é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo ‘Marquinhos, presta atenção, filho querido: NEM FODENDO!’. O impertinente se manca na hora e vai pro shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o ‘Porra nenhuma!’ atendeu tão plenamente às situações em que nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um ‘é Ph.D. porra nenhuma!’, ou ‘ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!’. O ‘Porra nenhuma!’, como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos ‘aspone’, ‘chepone’, ‘repone’ e, mais recentemente, o ‘prepone’ — presidente de porra nenhuma. Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um ‘Puta-que-pariu!’, ou seu correlato ‘Puta-que-o-pariu!’, falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba... Diante de uma notícia irritante qualquer um ‘Puta-que-o-pariu!’ dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça. E o que dizer de nosso famoso ‘Vai tomar no cu!’? E sua maravilhosa e reforçadora derivação ‘Vai tomar no olho do seu cu!’. Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: ‘Chega! Vai tomar no olho do seu cu!’ Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do português vulgar: ‘Fodeu!’ E sua derivação mais avassaladora ainda: ‘Fodeu de vez!’ Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa.

Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? ‘Fodeu de vez!’ Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de ‘Foda-se!’ que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do ‘Foda-se!’? O ‘Foda-se!’ aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. ‘Não quer sair comigo? Então foda-se!’ ‘Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!’

O direito ao ‘Foda-se!’ deveria estar assegurado na Constituição Federal. Liberdade, Igualdade, Fraternidade e FODA-SE.’

12 Comments:

Blogger Emilio Pacheco disse...

Cora, estou ansioso para ler o seu livro, porque esse tema me interessa bastante. Aqui onde estou o Orkut é bloqueado, mas nas comunidades de Luis Fernando Verissimo e Mario Quintana já conseguimos fazer uma lista bem abrangente de apócrifos e, quando possível, de seus verdadeiros autores. "O Direito ao Palavrão" já foi atribuído ao Verissimo e, se não me engano, nos eventos da comunidade moderada por Elson Barbosa, consta o verdadeiro autor. Também já conseguimos descobrir uma série de autores dos falsos Quintanas. O mais popular deles, aquele das borboletas, continua um mistério. Se puder, dê uma visitada na comunidade do Verissimo moderada pelo Elson e consulte a lista de apócrifos nos eventos. Na comunidade do Quintana, onde o moderador não faz nada, existe um tópico específico para os apócrifos comumente atribuídos a ele. Por fim, conheça também a comunidade "Afinal, Quem é o Autor", de Lucia Kerr Joia, que tem tudo a ver com seu livro. Abração!

2:47 PM  
Blogger Emilio Pacheco disse...

P.S.: Agora vi que você já conhece a comunidade da Lucia e também o blog da Vanessa Lampert, que infelizmente anda meio parado. No meu blog eu abordo esse tema de vez em quando.

2:52 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Emilio, alguns autores, entre eles o do "Direito ao palavrão", não quiseram que seus nomes fossem divulgados. Segundo eles, os originais dos textos foram perdidos e as versões que rolam na internet não são exatamente o que eles tinham escrito. Por isso consideramos que o autor desses textos é o famoso "Autor Desconhecido".

1:45 PM  
Blogger Emilio Pacheco disse...

Ah, sim, é verdade, em muitos casos os textos são adulterados. Aquele texto de Paulo Sant'ana sobre amizade que muitos pensam ser de Vinicius de Moraes ("tenho amigos que nem sabem o quanto são meus amigos, etc.") não terminava originalmente com a frase "A gente não faz amigos, reconhece-os" (que é de Garth Henrichs, não?), mas Sant'ana deve ter gostado e por isso incluiu a frase quando republicou o texto para reivindicar a autoria.

É uma pena que os verdadeiros autores não tenham permitido a citação de seus nomes, pois muitos "teimosos internéticos" só acreditam que o texto não era de quem pensavam quando são apresentados ao verdadeiro autor. A primeira pergunta é sempre "então de quem é?" Se a gente diz que não sabe, insistem: "Então por que não pode ser dele?"

Amanhã seu livro chega pra mim, se tudo der certo.

4:17 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Cora,
Parabéns pela excelente idéia do "Caiu na Rede" Ri de chorar lendo o "Direito ao Palavrão". Realmente, o palavrão dito na hora certa tem um poder libertador enorme... Taquipariu...
Ignez Ribeiro

7:36 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Cora,
esse direito ap palavrão é bom demais, libertário demais, desopilante demais, para continuarmos a desconhecer seu verdadeiro autor. Sinceramente , acho uma pena que o próprio não autorize a divulgação de seu (dele) nome.Mas então ..pergunto, para que todo este trabalho ?? Ou será que a versão atual - dita deturpada - é melhor que o texto original ?? Isto também poderia eventualmente acontecer, mas não desmerece quem iniciou o texto.

8:46 PM  
Blogger Unknown disse...

Este texto circula na internet creditado erroneamente ao Luís Fernando Veríssimo, Arnaldo Jabor ou Millôr Fernandes. Na verdade é de Pedro Ivo Resende, que (ainda) não é tão famoso, mas cujo talento não é menor

2:40 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Isso mesmo, Rubens. É do Pedro Ivo Resende, que escrevia o Blog e a coluna "Loser" no Cucaracha Zine, onde esse texto foi publicado anos atrás. Eu o conheci pessoalmente, na época, gente boa, chegou a ter um livro mas desistiu de prensar, talento desperdiçado...

5:16 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Adaptaram esse texto da peça "Nóis na Fita". Assim não vale. ¬¬

6:42 PM  
Anonymous Maria Telles disse...

As pessoas escrevem textos medíocres e os atribuem a alguém famoso, para conseguirem respeito, gratuitamente.
Outro dia vi um texto meloso, atribuido a Mario Quintana, mas que era tão "religioso" e carola... As pessoas se esquecem que Quintana era ateu e ficam invocando seu "santo nome em vão"! Por sorte quase todo mundo está aprendendo a duvidar de tudo o que cai na rede.

9:55 AM  
Anonymous Anônimo disse...

É LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO, NÃO DESSE CARA!!!

9:15 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Olá. Ninguém aqui referiu o delicioso "puuuutzzz".
Abraços, Regina Guzman

12:57 PM  

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